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23.11.17

Os árbitros de futebol profissional perderam a melhor oportunidade das suas vidas para se afirmarem enquanto classe. (Duarte Gomes)



"OS ÁRBITROS DE FUTEBOL PROFISSIONAL NÃO SABEM, MAS ACABARAM DE COMETER UM DOS MAIORES SUICÍDIOS COLETIVOS DE QUE HÁ MEMÓRIA." - DUARTE GOMES

Antigo árbitro internacional opina sobre a greve dos árbitros

O processo em torno desta “greve que não era bem greve” ou deste recuo no “pedido de dispensa que afinal só será daqui a vinte dias se”… é tão mau que, por muito que se queira defender o que quer que seja, não se consegue. Não se pode. E mais importante do que tudo, não se deve.

Comecemos pelo começo.

Há umas semanas, a APAF tornou público um comunicado que dava conta de uma possível intenção de greve por parte dos árbitros. Na altura, não se percebeu bem o motivo, a forma e o conteúdo: as coisas não estavam péssimas (estavam apenas más, como de costume), a jornada nem tinha corrido bem em termos de arbitragem e a coisa era apontada não para o imediato mas mais para a frente. A alegada paragem ocorreria, em exclusivo, na Taça da Liga (como se os clubes em questão não fossem os mesmos que competem na Primeira e Segunda Liga) e apenas no final de Novembro e Dezembro (com umas apitadelas pelo meio). Foi tão feio que tudo se desmoronou em poucos minutos, com uma curtíssima reunião com quem manda e meras palavras de circunstância para atenuar a dor.

Logo aí os árbitros deram dois tiros nos pés: o avanço público, impreparado e impulsivo para uma greve… e o recuo pouco depois, sem que nada de palpável, concreto ou razoável dali resultasse.

Na prática, tudo ficou na mesma à exceção da credibilidade da classe, que perdeu pontos aos olhos de tudo e todos.

Poucas semanas depois, o ambiente geral ficou, de facto, insustentável. E apenas alguém muito incapaz discordará da ideia que o futebol profissional bateu mesmo no fundo: as máquinas de propaganda florescem a um ritmo alucinante, numa guerrilha tripartida que ninguém pára nem consegue travar.


Eles dizem e fazem o que querem, como querem e onde querem. Tudo na maior das impunidades. Tudo sob o manto sagrado da “defesa pela verdade desportiva” que, se não desse vontade de chorar, quase daria vontade de rir.

Entre algumas acusações pertinentes (que podem e devem ser investigadas a fundo), são atirados para a fogueira nomes de pessoas, dados inócuos e paletes de nada ou de poucochinho. Hoje em dia, vale tudo, mas mesmo tudo para confundir, denegrir e levantar suspeitas.

Todos sabemos que estratégias moram por detrás de cada uma dessas manobras. E todos sabemos o que as motiva.

Mas o problema maior deste enorme problema é o resultado final que produz: o fosso entre três e todos os outros é cada vez maior, o foco passa a ser o jogo jogado fora das quatro linhas (que se lixem jogadores e treinadores) e tudo isso tende a distanciar destas paragens, potenciais patrocinadores e investidores, porque ninguém inteligente quer colar-se a um espetáculo tão deprimente como aquele a que temos assistido nas últimas semanas.

Mas, para os árbitros, o pior mesmo é o vírus que liberta e contagia os adeptos. Os adeptos mais influenciáveis, que reproduzem-se maciçamente em climas como este.

No final do dia, todo aquele ódio resvala para cima dos árbitros e das suas famílias. As ameaças e intimidações quadriplicaram e a sofisticação do ataque também. Há mais emails, mais chamadas e mensagens, mais montras partidas e mais carros riscados. Há mais medo. Há muito mais terror.

Perante isto sim: greve!

E na passada 3F os árbitros disseram “chega”.

Não foi um CHEGA gritado com a raiva de quem se sente a explodir de razão. Foi um “chega” assim, muito tímido, quase que a pedir licença para entrar. Mas bem… foi um chega!

Daí até agora, a história é conhecida e classifica-se numa só palavra: vergonha!

Uma enorme vergonha!

Vejamos: os árbitros, fartos de serem associados a processos de corrupção e de serem citados como desonestos, meteram “dispensa” de atuação para este fim de semana. Não fizeram greve… meteram escusa invocando “motivos pessoais e falta de condições psicológicas”.

Esse foi o primeiro grande erro.

Uma paragem é a bomba atómica, o fim da linha. É o recurso final. E é para usar no momento certo (como agora) e com coragem. Coragem!!

A greve é uma decisão de classe que não pressupõe receio de consequências regulamentares ou disciplinares. A greve não é um pedido avulso de dispensa, que é aquilo que se faz quando se quer ir a um batizado ou a um casamento.

A greve é uma tomada de posição firme e inequívoca. Do todos. De todo o grupo.

Mas não foi. E como se usou a porta mais pequenina, a saída mais rasteira, a do suterfúgio regulamentar… criou-se um problema enorme para o Conselho de Arbitragem.

É que este só podia aceitar pedidos de dispensa com 20 dias de antecedência. E estes foram feitos três, quatro dias antes da jornada.

Das duas uma: ou os árbitros retiravam (ou adiavam) essa solicitação… ou ela não tinha cabimento regulamentar e o CA tinha que os nomear na mesma.

Ontem os árbitros terão sido sensíveis ao apelo da sua estrutura (para desmobilizar) e o resultado é o que está à vista: pela segunda vez em cerca de um mês, os árbitros recuaram na sua posição inicial.

Cederam e remeteram a coisa para daqui a vinte dias, apresentando – em comunicado – um conjunto de pressupostos ocos, demagogos e inconcretizáveis.

Os árbitros de futebol profissional perderam a melhor oportunidade das suas vidas para se afirmarem enquanto classe.

Tinham toda a imprensa e seguramente muitos agentes desportivos (treinadores, jogadores e até clubes) do seu lado. Com eles!! Solidariamente com eles!!

Foram elogiados pela coragem e firmeza. E depois recuaram, traindo a confiança dos que estavam do seu lado e destruindo mais um pouco da sua credibilidade.

O que os árbitros ontem decidiram feriu a classe de morte. Desiludia-a. E deu carta branca a mais ameaças, insultos e intimidações.

Uma vergonha.
Uma enorme vergonha.